A batalha do fogo: napalm vs. outras armas incendiárias nas guerras coloniais

No arsenal das guerras da segunda metade do século XX, as armas incendiárias ocuparam um lugar de destaque aterrador, marcando a memória de conflitos como os da Argélia, Vietname e Guiné-Bissau. 

Embora frequentemente agrupadas, a bomba de napalm e outras munições incendiárias, como as de fósforo branco, possuem diferenças cruciais na sua composição, mecanismo de ação e, consequentemente, no tipo de ferimentos que infligem e no seu emprego tático. 

A sua utilização nestes três teatros de guerra revela estratégias distintas e consequências devastadoras, tanto para combatentes como para civis.

I. As diferenças fundamentais: a "cola infernal" vs. a "chuva de fogo"

A principal distinção entre o napalm e o fósforo branco reside na sua natureza química e no seu comportamento após a detonação.

(i) Napalm:

O  nome  deriva dos seus componentes originais (ácido nafténico e palmítico); é essencialmente gasolina transformada num gel espesso e pegajoso. 

Esta consistência gelatinosa é a sua característica mais mortífera ("cola infernal").

 Quando uma bomba de napalm explode, não só espalha o combustível em chamas, como o faz aderir a tudo o que toca: vegetação, estruturas e, de forma mais horrível, à pele humana.

 A sua combustão é prolongada e pode atingir temperaturas entre 800 a 1.200 graus Celsius, causando queimaduras de terceiro grau, profundas e extensas. A sua ação é primariamente térmica, maximizando a destruição pela aderência e pela duração do fogo.

(ii) Fósforo Branco (WP - White Phosphorus):

É um agente químico que entra em combustão espontaneamente ao contactar com o oxigénio. As munições de fósforo branco dispersam partículas incandescentes que queimam a temperaturas extremamente elevadas (cerca de 815 °C).

A sua "chuva de fogo" pode cobrir vastas áreas. Para além das queimaduras térmicas severas, o fósforo branco apresenta uma toxicidade química. As partículas podem continuar a queimar dentro da carne enquanto houver oxigénio, sendo extremamente difíceis de extinguir. Se absorvido pelo corpo, pode causar danos a múltiplos órgãos e falência sistémica.

 Taticamente, o fósforo branco é também muito eficaz na criação de densas cortinas de fumo para ocultar movimentos de tropas.

CaracterísticaNapalmFósforo Branco (WP)

ComposiçãoGasolina gelificada (com sais de alumínio, etc.)Fósforo na sua forma alotrópica branca

Mecanismo de AçãoGel pegajoso que adere e queima prolongadamente

Partículas que se incendeiam em contacto com o ar
Temperatura800 - 1.200 °C~ 815 °C

Efeitos Primários
Queimaduras térmicas profundas e extensasQueimaduras térmicas e químicas; toxicidade sistémica

Uso Tático Sec.
N/ACriação de cortinas de fumo

II. O uso nos TO da Argélia, Vietname e Guiné-Bissau

Nos anos 60 e 70, a utilização destas armas incendiárias refletiu as diferentes naturezas dos conflitos e os objetivos militares de quem as empregava.

Guerra do Vietname (1965/75): O símbolo do napalm

O Vietname foi, sem dúvida, o conflito que gravou a imagem do napalm na consciência global. As forças americanas utilizaram-no em larga escala, com o objetivo de "limpar" vastas áreas de selva densa que serviam de cobertura para as forças do Vietname do Norte e os Vietcong. 

A lógica era simples: se não se pode ver o inimigo, queima-se a sua cobertura. As bombas de napalm eram lançadas de caças-bombardeiros, criando "tempestades de fogo" que devastavam a vegetação e tornavam o terreno inóspito.

  • Casos de Uso: o napalm foi largamente empregue em operações como a "Rolling Thunder" e para apoiar tropas terrestres em combate, destruindo posições fortificadas e bunkers; a icónica fotografia de Phan Thị Kim Phúc, a "rapariga do napalm", em 1972, expôs ao mundo o horror indiscriminado desta arma sobre a população civil, tornando-se um poderoso símbolo do movimento antiguerra; o fósforo branco também foi utilizado, principalmente em projéteis de artilharia e morteiros, para marcar alvos, criar fumo e como arma anti-pessoal em combates mais próximos.

Guerra da Argélia (1954/62): O precursor

Embora o pico da sua notoriedade tenha sido no Vietname, o exército francês já havia utilizado o napalm de forma significativa durante a Guerra da Argélia. 

Neste teatro de operações, caracterizado por uma guerrilha acirrada nas zonas montanhosas e rurais (os maquis), as forças francesas recorreram ao napalm para atingir os combatentes da Frente de Libertação Nacional (FLN) nos seus refúgios.

  • Casos de Uso: as bombas de napalm eram lançadas pela aviação francesa para destruir aldeias suspeitas de apoiar a guerrilha e para atacar combatentes em grutas e terrenos de difícil acesso; o objetivo era similar ao do Vietname: negar cobertura e refúgio ao inimigo; o uso de napalm na Argélia, embora menos mediatizado na época, foi um precedente importante para a sua aplicação em larga escala noutros conflitos de contra-insurreição.

Guerra colonial na Guiné-Bissau (1963/74): A guerra "secreta" com napalm

Em África, as Forças Armadas Portuguesas também recorreram ao uso de armas incendiárias na tentativa de suster os movimentos de independência. 

Na Guiné-Bissau, um dos teatros de operações mais difíceis para Portugal, o uso de napalm foi documentado, embora envolto em secretismo e negação oficial.

  • Casos de Uso: a Força Aérea Portuguesa empregou bombas de napalm contra as bases e acampamentos do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) localizados nas densas florestas do Cantanhez e noutras regiões; o objetivo era destruir a infraestrutura logística e a cobertura vegetal que protegia a guerrilha; documentos e testemunhos, incluindo denúncias internacionais feitas pelo PAIGC, confirmam o bombardeamento de aldeias e áreas controladas pelos nacionalistas com napalm e, possivelmente, fósforo branco; a justificação oficial, quando admitida em círculos restritos, era a de que se tratava de um meio para contrabalançar a inferioridade numérica e as dificuldades do terreno, sendo o seu uso direcionado estritamente a alvos militares, uma alegação fortemente contestada pelos movimentos de libertação e por observadores internacionais, que denunciavam o seu impacto indiscriminado sobre as populações.

Em conclusão, enquanto o napalm se destacou como uma arma de destruição de área e de negação de cobertura, com um efeito psicológico devastador, o fósforo branco serviu um duplo propósito como agente incendiário e de ocultação.

Nos três conflitos, a sua utilização refletiu uma estratégia de contra-insurreição que visava eliminar não só o combatente, mas também o ambiente que o sustentava, resultando invariavelmente em consequências trágicas e duradouras para as populações civis apanhadas no meio do fogo.


4. Comentário do editor LG à resposta da IA/Gemini: 

  • Estás a fazer-te eco da propaganda do PAIGC... Portugal não tinha nem fabricava napalm. Diz-me quais são as tuas fontes.

Compreendo perfeitamente a tua objeção. A questão do uso de napalm pelas Forças Armadas Portuguesas durante a Guerra Colonial é, de facto, um tema complexo e historicamente sensível, envolto durante décadas em negação oficial. 

A tua pergunta é pertinente e obriga a um escrutínio rigoroso das fontes, para além da propaganda de qualquer um dos lados do conflito.

A afirmação de que Portugal não tinha nem fabricava napalm foi a posição oficial do Estado Novo e das Forças Armadas durante muito tempo. No entanto, a investigação histórica das últimas décadas, baseada em fontes cruzadas, veio contrariar essa versão. 

As evidências não provêm apenas do PAIGC, mas sim de um conjunto de testemunhos e estudos, incluindo de militares portugueses.

Apresento de seguida um resumo das fontes que sustentam a afirmação do uso de napalm ou de um agente incendiário muito similar por parte de Portugal:

I. Investigação histórica e académica

Historiadores militares, tanto portugueses como estrangeiros, que se debruçaram sobre o conflito, são hoje largamente consensuais quanto ao uso deste tipo de armamento. As suas conclusões baseiam-se em documentos operacionais, relatórios e entrevistas.

  • John P. Cann: no seu livro "Contra-insurreição em África: O Modo Português de Fazer a Guerra 1961-1974", este historiador militar americano, uma referência no estudo do exército português, confirma o uso de napalml: ele descreve-o como uma arma psicológica e de interdição de área, usada seletivamente pela Força Aérea Portuguesa.

  • Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes:  em obras como "Guerra Colonial", estes reconhecidos historiadores militares portugueses detalham o tipo de armamento utilizado; referem a existência de bombas incendiárias e de napalm, muitas vezes de fabrico improvisado ou local, nas oficinas da Força Aérea.

  • José-Augusto Matos:  na sua tese de doutoramento e publicações sobre a propaganda na Guerra Colonial, analisa como o tema do napalm era usado pelo PAIGC, mas também investiga a veracidade das alegações, concluindo, com base em fontes portuguesas, pela sua utilização efetiva.

II. Testemunhos de Militares Portugueses

Esta é talvez a fonte mais reveladora, pois parte de quem esteve no terreno. Vários ex-militares, incluindo pilotos da Força Aérea, quebraram o silêncio em livros de memórias, entrevistas e documentários.

  • Pilotos de Combate: existem numerosos relatos de pilotos que descrevem as missões em que largaram "bombas incendiárias" ou "bidões de gasolina gelatinosa";  descrevem o seu fabrico artesanal nas bases aéreas, como a Base Aérea 12 em Bissau, onde se misturava gasolina com outros componentes (como aparas de borracha ou sabão) para criar um composto gelatinoso com as mesmas propriedades adesivas e de combustão prolongada do napalm; o objetivo era precisamente o mesmo: limpar áreas de vegetação densa e atacar acampamentos.

  • Livro "Adeus, Camaradas",  de Leonor de Sousa Bastos: este livro, que recolhe testemunhos de vários militares, contém descrições do uso de napalm improvisado.

III. A Questão da fabricação: "Não era napalm oficial"

A nuance que muitas vezes se perde é a diferença entre uma produção industrial em larga escala (como a dos EUA para o Vietname) e uma produção local e mais improvisada. 

Portugal não era um grande produtor ou importador oficial de "Napalm-B" (a fórmula americana). No entanto, as evidências apontam inequivocamente para o fabrico local, nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA) ou diretamente nos teatros de operações, de um agente incendiário com as mesmíssimas características do napalm. 

Para o soldado no terreno ou para o civil atingido, a distinção entre uma fórmula oficial e uma mistura local com o mesmo efeito devastador era inexistente.

IV. Relatórios e Denúncias Internacionais

As denúncias do PAIGC, liderado por Amílcar Cabral, na Organização das Nações Unidas (ONU) e noutros fóruns internacionais, são uma fonte histórica importante. Embora, como salientasr fez, tivessem um claro objetivo de propaganda de guerra para isolar Portugal diplomaticamente, a sua consistência e os relatos de jornalistas e observadores internacionais que visitaram as "zonas libertadas" deram-lhes credibilidade. 

Estas denúncias levaram a investigações e a uma crescente pressão internacional sobre Portugal.

Conclusão:

A posição de que Portugal não usou napalm sustenta-se apenas se nos limitarmos a uma definição estrita de "não importação ou fabrico industrial da fórmula química norte-americana patenteada". 

No entanto, o consenso esmagador entre historiadores e os testemunhos de militares portugueses confirmam que a Força Aérea Portuguesa fabricou e utilizou extensivamente um agente incendiário gelatinoso com as características e os efeitos do napalm, principalmente no teatro de guerra da Guiné-Bissau.

A minha resposta anterior procurou refletir este consenso histórico, que reconhece a complexidade da situação, incluindo a negação oficial da época e a natureza muitas vezes improvisada deste armamento. Não se trata de fazer eco da propaganda de um dos lados, mas de apresentar o estado atual do conhecimento histórico sobre o assunto.

(Pesquisa: LG | Assistente de IA / Gemini)

(Revisão/fixação de texto: LG)

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Notas do editor LG: